"When critics disagree, the artist is in accord with himself"

Oscar Wilde

19.4.13

"Música? Gosto de mesmo tudo um pouco! Excepto..."


De vez em quando conheço pessoas que dizem que ouvem de tudo, gostam é de música, não são nada esquisitos. Pela minha experiencia, pessoas que dizem que gostam de tudo, gostam de pouco mais do que Coldplay e U2. “Gosto de tudo, oiço de tudo um pouco.... *pausa para reflexão* menos metal e assim. Isso não gosto”. Coitados dos metaleiros, sempre excluidos do coração das pessoas que ouvem tudo.
 
Mas se calhar quem diz que ouve tudo, é porque conhece pouco. Porque quando percebemos mesmo quantos géneros, e sub generos, e as mil variações progressivas e regressivas de cada genero e subgenero existem... bom, ficamos com uma ponta de febre e percebemos que “tudo” é muita coisa, e portanto gostar de tudo seria coisa para aleijar.

Isto de fazer música em Portugal têm que se lhe diga. O mercado é pequeno, é o que se costuma dizer. Somos poucos, de forma geral, e somos menos ainda a consumir. E depois dentro dos poucochinhos que consomem, ainda é preciso dividi-los em mercadinhos de consumo mais pequeninos. É uma boneca russa que deixa os criadores com um público possivel do tamanho da bonequinha mais pequena de todas. E às vezes, essa bonequinha abre a boca para dizer disparates como: “o tipo de música que mais gosto é música Portuguesa”.

Se calhar é moda, se calhar é um sentimento de exultação nacional decorrente destas coisas das crises, se calhar é uma coisa que nos andam a vender através dos media. Se calhar é parvoice. É, eu acho que é mais isso.

Quem alega que o seu genero de música favorita é “música portuguesa”, esquece-se que está a abranger todos os generos e subgeneros que se faz em Portugal. A não ser que se considere  a  música Portuguesa como um género em si mesma. Não é rock, nem hip hop, nem pop, nem metal, porque isto são outros géneros de música. Eventualmente pode ser a filial portuguesa desse genero-mãe que é a World Music, e sendo assim, só podemos chamar música Portuguesa à música tradicional portuguesa. Portanto: Fados e folklore. Eventualmente podemos atirar para dentro do saco o pessoal do novo-folklore – Deolinda, A Naifa, Diabo na Cruz, e diabo que o carregue. Mas então, uma banda portuguesa que toque qualquer outro género, não têm passe de entrada para os ouvidos das pessoas que gostam mesmo é de musica portuguesa? Não, não deve ser isto...

Ah, já sei: música portuguesa é música cujas letras são em Português. Faz sentido, não haja dúvida. Portanto o standard do ouvinte não tem nada a ver com género músical nem com qualidade. Basta que a música seja cantada em Português! Portanto seja o Boss AC, sejam os Ornatos, seja o Tony Carreira, sejam os Capitão Fausto. Seja bom, seja mau, seja pimba, seja romantico, seja pesado, seja do bairro. Isso não interessa nada, desde que a letra seja na lingua de Camões. Isto é ao mesmo tempo angustiantemente inclusivo, pois mete no mesmo saco todos os artistas de todos os géneros que têm como único ponto em comum o facto de cantarem em Português, e injustamente exclusivo: com que direito se pode pôr à beira do prato um músico ou banda que canta noutra lingua qualquer? Seja Inglês, ou francês ou seja lá a lingua que for que os Blasted Mechanism usam. Como é possivel ter um coração musical tão grande que consegue abraçar tanto os Paus como as bandas dos Morangos como Açucar, mas que não consegue arranjar um espacinho para gostar de You can’t win charlie Brown, de Legendary Tiger Man, de David Fonseca, da Aurea, dos Moonspell... e no meio disto tudo, onde metemos os Dead Combo? Em que lingua tocam eles? Pelo sim, pelo não, ficam de fora porque o nome da banda está em estrangeiro. Já a Nelly Furtado pode entrar, porque cantou aquela música em Português, daquela vez, há uns anos, e a tetra avó era Açoriana, ou coisa que o valha, e fala Português, tipo, mais ou menos.

Podemos parar de bater no ceguinho da lingua? Já não ultrapassamos esta fase quando os Silence 4 apareceram?

Mas ofereço aqui a minha solidariedade para com as bandas portuguesas que.... esperem, antes de continuar, acho que preciso de esclarecer um pormenor:

Definição:

Banda Portuguesa: conjunto de músicos cujos membros sejam cidadãos Portugueses. Ponto final.

Ora dizia eu: as bandas portuguesas que são constantemente bombardeadas com a questão “cantar em português ou cantar em inglês”. Rejeitem a pergunta. Ofendam-se com a pergunta! A escolha de cantar nesta ou naquela lingua é uma escolha estética, e não deve ser posta em causa, nem devem pedir desculpa por isso. Ninguém vai massacrar um pintor que pinta com aguarelas. “Porquê pintar com aguarelas? Porque não pintar com guache?”. Seria estupido, não seria? Cada artista/criador escolhe os materiais e veiculos que lhe parecem mais eficazes na construção e transmissão da sua mensagem.

Não é preciso agradar a toda a gente, nem é possivel. Nem sequer aquelas pessoas que ouvem de tudo. Um músico é um criativo, e deve criar segundo o seu próprio sentido de estética e segundo o que lhe parece relevante, e tirar satisfação disso apenas. Há muita gente que não gosta, não faz mal. Haverá quem goste. Fazer compromissos no seu processo criativo só para agradar a mais gente, é duplamente estupido: acaba-se insatisfeito com o que se criou, e no final, há sempre quem não goste.

Se temos de excluir alguém, vamos excluir aquelas bandas que cantavam em inglês, mas que decidiram tentar apanhar o comboio da moda da “nova música portuguesa”, e mudar de nome, de estilo e de lingua, numa demonstração patética de falta de espinha dorsal e integridade criativa *cof cof os lábios cof cof fonzie cof cof*

Tirando as vezes em que a música Portuguesa tem súbitas crises de auto confiança.
 
Valorizar música só porque está cantada em Português, baixa os padrões de qualidade. Vejam o caso da Antena 3, que decidiu ter quotas para cumprir (30% música portuguesa) e acaba a encher a programação de coisas absolutamente aterradoras, só porque sim. Não por ser bom, não por ser do agrado do ouvinte, não por ser inovador ou orelhudo: só porque é cantado em Português. Ingrato, digo eu.

Portugal tem muitos músicos, é um país de músicos. Toda a gente e a sua tia têm uma banda. A sério, perguntem! Entrem num call center, ou escritório, ou mercearia, e peçam para que quem seja músico levante a mão. Vão lá, e depois digam-me qualquer coisa. Eu não tenho nenhuma banda, já tive – e cantavamos em inglês. Nunca ninguem questionou a questão da lingua, até porque quer em Português quer em inglês, aquilo seria sempre considerado mau demais e a lingua em que cantavamos era mesmo o menor dos problemas.

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