De vez em quando conheço pessoas
que dizem que ouvem de tudo, gostam é de música, não são nada esquisitos. Pela
minha experiencia, pessoas que dizem que gostam de tudo, gostam de pouco mais
do que Coldplay e U2. “Gosto de tudo, oiço de tudo um pouco.... *pausa para
reflexão* menos metal e assim. Isso não gosto”. Coitados dos metaleiros, sempre
excluidos do coração das pessoas que ouvem tudo.
Mas se calhar quem diz que
ouve tudo, é porque conhece pouco. Porque quando percebemos mesmo quantos
géneros, e sub generos, e as mil variações progressivas e regressivas de cada
genero e subgenero existem... bom, ficamos com uma ponta de febre e percebemos
que “tudo” é muita coisa, e portanto gostar de tudo seria coisa para aleijar.
Isto de fazer música em Portugal
têm que se lhe diga. O mercado é pequeno, é o que se costuma dizer. Somos
poucos, de forma geral, e somos menos ainda a consumir. E depois dentro dos
poucochinhos que consomem, ainda é preciso dividi-los em mercadinhos de consumo
mais pequeninos. É uma boneca russa que deixa os criadores com um público possivel
do tamanho da bonequinha mais pequena de todas. E às vezes, essa bonequinha
abre a boca para dizer disparates como: “o tipo de música que mais gosto é
música Portuguesa”.
Se calhar é moda, se calhar é um
sentimento de exultação nacional decorrente destas coisas das crises, se calhar
é uma coisa que nos andam a vender através dos media. Se calhar é parvoice. É,
eu acho que é mais isso.
Quem alega que o seu genero de
música favorita é “música portuguesa”, esquece-se que está a abranger todos os
generos e subgeneros que se faz em Portugal. A não ser que se considere a música
Portuguesa como um género em si mesma. Não é rock, nem hip hop, nem pop, nem
metal, porque isto são outros géneros de música. Eventualmente pode ser a
filial portuguesa desse genero-mãe que é a World Music, e sendo assim, só
podemos chamar música Portuguesa à música tradicional portuguesa. Portanto:
Fados e folklore. Eventualmente podemos atirar para dentro do saco o pessoal do
novo-folklore – Deolinda, A Naifa, Diabo na Cruz, e diabo que o carregue. Mas
então, uma banda portuguesa que toque qualquer outro género, não têm passe de
entrada para os ouvidos das pessoas que gostam mesmo é de musica portuguesa?
Não, não deve ser isto...
Ah, já sei: música portuguesa é
música cujas letras são em Português. Faz sentido, não haja dúvida. Portanto o
standard do ouvinte não tem nada a ver com género músical nem com qualidade. Basta
que a música seja cantada em Português! Portanto seja o Boss AC, sejam os
Ornatos, seja o Tony Carreira, sejam os Capitão Fausto. Seja bom, seja mau,
seja pimba, seja romantico, seja pesado, seja do bairro. Isso não interessa
nada, desde que a letra seja na lingua de Camões. Isto é ao mesmo tempo
angustiantemente inclusivo, pois mete no mesmo saco todos os artistas de todos
os géneros que têm como único ponto em comum o facto de cantarem em Português,
e injustamente exclusivo: com que direito se pode pôr à beira do prato um
músico ou banda que canta noutra lingua qualquer? Seja Inglês, ou francês ou
seja lá a lingua que for que os Blasted Mechanism usam. Como é possivel ter um
coração musical tão grande que consegue abraçar tanto os Paus como as bandas
dos Morangos como Açucar, mas que não consegue arranjar um espacinho para
gostar de You can’t win charlie Brown, de Legendary Tiger Man, de David Fonseca,
da Aurea, dos Moonspell... e no meio disto tudo, onde metemos os Dead Combo? Em
que lingua tocam eles? Pelo sim, pelo não, ficam de fora porque o nome da banda
está em estrangeiro. Já a Nelly Furtado pode entrar, porque cantou aquela
música em Português, daquela vez, há uns anos, e a tetra avó era Açoriana, ou
coisa que o valha, e fala Português, tipo, mais ou menos.
Podemos parar de bater no ceguinho
da lingua? Já não ultrapassamos esta fase quando os Silence 4 apareceram?
Mas ofereço aqui a minha solidariedade
para com as bandas portuguesas que.... esperem, antes de continuar, acho que
preciso de esclarecer um pormenor:
Definição:
Banda Portuguesa: conjunto de
músicos cujos membros sejam cidadãos Portugueses. Ponto final.
Ora dizia eu: as bandas portuguesas
que são constantemente bombardeadas com a questão “cantar em português ou
cantar em inglês”. Rejeitem a pergunta. Ofendam-se com a pergunta! A escolha de
cantar nesta ou naquela lingua é uma escolha estética, e não deve ser posta em
causa, nem devem pedir desculpa por isso. Ninguém vai massacrar um pintor que
pinta com aguarelas. “Porquê pintar com aguarelas? Porque não pintar com
guache?”. Seria estupido, não seria? Cada artista/criador escolhe os materiais
e veiculos que lhe parecem mais eficazes na construção e transmissão da sua
mensagem.
Não é preciso agradar a toda a
gente, nem é possivel. Nem sequer aquelas pessoas que ouvem de tudo. Um músico
é um criativo, e deve criar segundo o seu próprio sentido de estética e segundo
o que lhe parece relevante, e tirar satisfação disso apenas. Há muita gente que
não gosta, não faz mal. Haverá quem goste. Fazer compromissos no seu processo
criativo só para agradar a mais gente, é duplamente estupido: acaba-se
insatisfeito com o que se criou, e no final, há sempre quem não goste.
Se temos de excluir alguém, vamos
excluir aquelas bandas que cantavam em inglês, mas que decidiram tentar apanhar
o comboio da moda da “nova música portuguesa”, e mudar de nome, de estilo e de
lingua, numa demonstração patética de falta de espinha dorsal e integridade
criativa *cof cof os lábios cof cof fonzie cof cof*
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Tirando as vezes em que a música Portuguesa tem súbitas crises de auto confiança. |
Valorizar música só porque está
cantada em Português, baixa os padrões de qualidade. Vejam o caso da Antena 3,
que decidiu ter quotas para cumprir (30% música portuguesa) e acaba a encher a
programação de coisas absolutamente aterradoras, só porque sim. Não por ser
bom, não por ser do agrado do ouvinte, não por ser inovador ou orelhudo: só
porque é cantado em Português. Ingrato, digo eu.
Portugal tem muitos músicos, é um
país de músicos. Toda a gente e a sua tia têm uma banda. A sério, perguntem!
Entrem num call center, ou escritório, ou mercearia, e peçam para que quem seja
músico levante a mão. Vão lá, e depois digam-me qualquer coisa. Eu não tenho
nenhuma banda, já tive – e cantavamos em inglês. Nunca ninguem questionou a
questão da lingua, até porque quer em Português quer em inglês, aquilo seria
sempre considerado mau demais e a lingua em que cantavamos era mesmo o menor
dos problemas.