"When critics disagree, the artist is in accord with himself"

Oscar Wilde

24.4.10

Deixem falar a bonecada

Eu tenho uma confissão a fazer: eu adoro cinema de animação.

 Gosto de animação tradicional e computorizada, de musicais, comédias, melodramas e romances, gosto da Disney, da Pixar e da Dreamworks, gosto de animação americana, francesa, japonesa e até checa (se for apresentada pelo Vasco Granja), gosto de Merry Melodies, de Duck Tales e de Looney Toons. Tive a sorte de pertencer a uma das últimas gerações que se encantou com princesas que cantam com pássaros pela manhã, que se comoveu com o Fievel e a sua irmã a cantarem debaixo da lua e para quem o melhor Robin Hood do cinema é a raposa charmosa da Disney. Gosto de animais que cantam e falam, gosto de magia e sonho e romance e tudo mais que venha.

Isso aí é uma brumbuzumba, viu?
Mas há uma coisa de que não gosto, e que me perdoem os profissionais da industria: não gosto de animações dobradas em Português. Não digo que não se façam, até porque eu também já fui criança e analfabeta e vi-me obrigada a ver muito desenho animado dobrado em brasileiro (era o que havia, não sei se se lembram).
Mas hoje em dia é preciso assumir que o dogma que ditava que a bonecada era só para criancinhas já era, e que nós, adultos, também gostamos de ir ao cinema e ver uma animação ou outra, e, já agora, ouvir as vozes dos actores de renome que vimos referenciados nos cartazes. Assumo que hoje em dia já se fazem trabalhos muito respeitáveis de tradução e dobragem em Portugal, mas era simpático ter margem para escolha.
Inúmeras animações têm estreado em Portugal APENAS na versão dobrada (Cloudy with a Chance of Meatballs, por exemplo) e em muitos casos, o espectador é obrigado a escolher: ver a V.P. em 3D ou ver a V.O. em duas dimensões (assim de repente lembro-me do Monsters vs Aliens), o que me faz sentir que estou a ser forçada a ver a V.P. para pagar o trabalho da equipa de dobragem. Como não gosto de ser forçada a coisa nenhuma, acabo por não ver nem um nem outro, guardar o meu dinheiro, e recorrer à pirataria (no caso disto estar a ser lido por algum agente da autoridade, estou a mentir, claro).

Vai umas agulhas nos olhos?
Para além da questão da dobragem, existe ainda uma óbvia negligência no que diz respeito à catalogação dos filmes de animação. O Japão já nos ensinou a todos que lá porque é desenho animado não quer dizer que seja para crianças, e portanto, convêm dar uma vista de olhos ao filme antes de decidir que público é que o vai ver. O caso mais surpreendente dos últimos tempos foi o Coraline de Henry Sellick, a partir do conto de Neil Gaiman. Para quem não conhece, é a história de uma mocinha que descobre um negro universo paralelo onde uma mãe alternativa e aterrorizadora tenta rapta-la e cozer-lhe botões nos olhos. Mas é uma animação, portanto não só foi dobrada, como teve direito a classificação M4. Claro, porque se há coisa que a pequenada gosta é de filmes sobre vistas vazadas.

 
Mas será que não há ninguém que veja os filmes antes? Eu faço desde já uma candidatura espontânea para ter esse emprego! E prometo que se depender de mim, não haverá criancinhas com perturbações de sono crónicas por verem desenhos animados sobre agulhas nos olhos.

That's all, folks!

21.4.10

Purismos

"Creio no Cinema, arte muda, filha da Imagem, elemento original de poesia e plástica infinitas, célula simples de duração efémera e livremente multiplicável. (...) Creio no Cinema puro, branco e preto, linguagem universal de alto valor sugestivo, rico na liberdade e poder de evocação. Creio nesse Cinema. Em qualquer outro, o que transige com o som, a palavra, a cor, não posso e não quero crer."
 Vinicius de Morais, Credo e Alarme, 1941

Tenho vindo a ler nos últimos dias uma série de crónicas e criticas de cinema escritas pelo poeta Vinicius de Moraes para algumas publicações brasileiras como o jornal A Manhã entre 1941 e 1953. Constatei com curiosidade que Vinicius de Moraes, cinéfilo acérrimo, era na verdade um, digamos, "purista" do Cinema, isto é, um defensor do cinema puro; mudo e a preto e branco. Para Moraes, o som e a cor roubavam ao cinema tudo que este tinha de poético e crucificava o technicolor, a MGM, o star system e muito do que era a produção oriunda do "bosque sagrado" com um elegantíssimo desprezo.

Não pude deixar de pensar na aversão de muita da critica contemporânea (e muitas vezes, minha também) ao uso (e abuso) de novas tecnologias como o CGI e o 3D, pelas mesmas razões que apoquentavam o poeta brasileiro.
Acredito que se olharmos para as coisas com uma perspectiva histórica, é mais fácil compreender a forma como as novas tecnologias são introduzidas na produção cinematográfica, passando sempre por uma fase de novidade e deslumbramento que é, geralmente, medonha.

Se quando o som surgiu desatava tudo a cantar de 5 em 5 minutos e se quando a cor surgiu os cenários e figurinos eram coisa para causar ataques de epilepsia em muito boa gente, é natural que a fase de novidade dos efeitos especiais computorizados vá pecar por hipérbole, em tentativas sôfregas de explorar estes meios até aos seus limites, ou digamos, aos limites do ridículo. E claro, tal como nos filmes que Vinicius trucidava nos seus textos, o que fica para segundo plano é sempre a história.

É preciso dar às coisas a importância que elas têm.

Com o passar dos anos, o cinema aprendeu a usar a cor e o som com contenção, e a comédia musical liberou a tecnologia para que outros géneros, como o drama, a pudessem também usar. Hoje em dia, tirando pontuais casos que se servem do preto e branco para cumprir um propósito artístico - ou contornar limitações financeiras, todos os filmes são a cores, sem que a intensidade dramática da história seja comprometida por isso (salvo as excepções, claro). A sensatez de usar uma tecnologia de forma subtil é resultado de muita experiência uma ou outra década de tentativa-erro, acabando por se integrar naturalmente na experiência cinematográfica.

Se é verdade que à pala de CGI e 3D temos levado com disparates como o Avatar e outros que tais (Puxa, que fitinha mais besteira, não é não, Vinicius?), creio que a partir do momento em que o dia a dia do público estiver saturado de efeitos especiais, da televisão à câmara do telemóvel, também o Cinema aprenderá a usar estes meios de forma contida e sábia, e a critica poderá então abespinhar-se com outra nova tecnologia qualquer.

14.4.10

Filme de encomenda

Não é para bater no ceguinho, ou melhor no Tim Burton, mas constou-me que o senhor vai fazer uma versão da Adams Family em animação/stop motion.

Como é que este filme ainda não está feito e eu já tenho a sensação que já o vi...?

13.4.10

Alice Vs Parnassus

Em muito do que tenho lido acerca de Imaginarium Of Doctor Parnassus parece inevitável a referência a Alice no País das Maravilhas, mais precisamente, à versão de Tim Burton. De facto existem semelhanças fundamentais entre os dois filmes mas resultam em duas experiencias cinematograficas extremamente diferentes.  


            É clara a semelhança dos universos simultaneamente fantásticos e assustadores que existem no fundo da toca do coelho de Alice ou do outro lado do espelho de Parnassus: ambos são formulações do imaginário e do onírico, da magia de deixar a lógica e o sentido de parte e do horror de darmos de caras com os nossos maiores medos. Terry Gilliam e Tim Burton são ambos bem conhecidos por escolherem projectos pelas possibilidades estéticas dos mesmos (um mais para o gótico e o outro mais para o, digamos, barroco) e não tanto pela história, e até aqui, tudo bem.
As semelhanças, penso eu, ficam mesmo por aqui.

Ouvi e li em muito lado que se estava mesmo à espera que Tim Burton fizesse a Alice, que era um filme à sua medida e que já se estava mesmo à espera do que ele ia fazer. Pessoalmente, não poderia concordar menos, e a verdade é que o projecto era tão desadequado para Burton que ele teve de mudar a história completamente para fazer com que o filme funcionasse. A Alice de Carrol Lewis é um conto altamente alucinado, desprovido de grande sentido e totalmente episódico e fragmentado. Para um realizador “by the book” como Burton isso seria um inferno narrativo! Como tal, Burton pegou na Alice, pôs-lhe uns aninhos em cima, deu-lhe um contexto, passado, motivação e conflito. Criou uma história com principio, meio, clímax e fim. Inseriu, como quem não quer a coisa, uma insinuação de interesse amoroso. Reinventou personagens e certificou-se que estas evoluiram e aprenderam algo com a experiência. E no final, como é apanágio da Disney (e pensando bem, do próprio Burton) deu-lhe uma moral. Tudo construido de forma impecável, contenção estética e timing perfeito. Não é A Alice, mas, como dizem a dada altura do filme, “it’s almost Alice”.

 Já Terry Gilliam fez tão completamente o contrário que quase podia ser de propósito. É verdade que o inicio do filme sugere que vamos a assistir a um conto de contornos  tradicionais, pela imagem do livro onde surge, em latim, o subtítulo da historia: O homem que enganou o diabo. Mas ao contrario de Burton, Gilliam não se preocupa em dar todos os nós à historia, em resolver todos os problemas, em construir uma narrativa de acordo com todas as regras aristotélicas do que é “proper storytelling”. Na verdade, existe um certo tom oralidade, de aleatoriedade nos momentos de introduzir este ou aquele elemento sem que o público esteja preparado para tal. São muitas as pontas soltas e o filme sofre consideravelmente com este desequilíbrio da narrativa: as personagens são pouco claras nas suas intenções e o protagonismo é partilhado entre todos sem que seja possivel definir quem é principal e quem é secundário. Tony (Ledger/Depp/Farrel/Law) inspira confiança e empatia e afinal é vilão, Anton é dispensável e irritante e afinal salvou o dia. Os eventos que ocorrem no território imaginário são pouco claros (o que não é certamente despropositado) e certos elementos são absolutamente supérfluos e não acrescentam nada à historia (máfia russa? Porquê?!). Mas como somos avisados no inicio do filme, “Don't worry if it doesn't all make sense”. É dificil dizer quanto do filme é intenção do autor e quanto é resultado dos obstáculos que tiveram de ser ultrapassados para finalizar o filme, como a morte de Heath Ledger e o orçamento limitado de Gilliam.

Mas ao olhar para estes filmes interessa reparar na imagem mais do que na palavra, e na minha opinião, essa batalha é vencida por Parnassus. Há quem diga que um bom efeito especial é aquele em que não reparamos e se, à partida, estamos conscientes desses artifícios durante o filme, é um trabalho mal feito. Nesse aspecto, Burton disfarçou as costuras com mestria, criando um universo fantástico mas credível e palpável, com um 3D surpreendemente sóbrio, usado de forma sensata para conferir profundidade à acção, e nada mais. Mas no que diz respeito a efeitos especiais maus, existem dois tipos: os maus por falta de meios (como os infames discos voadores com fios visiveis de Ed Wood) ou maus por se ter tanto dinheiro que se esbanja em efeitos excessivos que saturam o filme, matam a história e cansam o espectador (que é como quem diz, Avatar). Gilliam obviamente não têm os meios, mas parece-me que, e o Terry Gilliam que me perdoe, ele não precisa de orçamentos avatarianos para fazer filmes, e cheguei a desejar que ele tivesse menos dinheiro ainda, para que todo o filme tivesse a magia artesanal que o torna tão envolvente. Da mesma forma que o palco móvel expunha sem pudor os artificios da construção teatral, o filme permite o espectador vislumbrar os truques, limitações e soluções mais ou menos eficazes da cinematografia. Nos momentos em que tentava um maior impacto visual, falhava. É precisamente nos quadros mais toscos e inacabados que Parnassus conquista o espectador (se este se disponibilizar para ser conquistado, isto é). O imaginário de Parnassus é um delicioso teatrinho barroco, uma brincadeira de crianças, um baile de máscaras trôpego e extasiado e uma vaga recordação ressacada da noite anterior. Não sabemos bem o que é que aconteceu, mas foi espectacular!
  
Confesso que não vi estes filmes com uma postura particularmente imparcial. Gosto muito do Tim Burton, mas houve tanto hype e expectativa à volta de Alice que quando o filme estreou eu já estava farta dele. Por outro lado, gosto muito do Gilliam, gosto muito de contos faustianos e gosto muito do Tom Waits. Quando fui ver o filme já ia preparada para gostar dele, e assim foi. Estou perfeitamente ciente das imperfeições de Parnassus, e sei que não são poucas. Mas eu prefiro imperfeito e emocionante do que perfeito e calculista, anyday!


1# Post - porque tem de ser.

Olá e bem vindo (a) ao meu blog.

Este espaço servirá para publicar algumas considerações e opiniões, maioritariamente acerca de Cinema, mas quem sabe?

Não pretendo ser incendiária nem enfurecer ninguém, mas sintam-se à vontade para contribuir, comentar, discutir e chamar-me nomes, mas cordialmente, tá?

Beijos e abraços e everything nice

Fi