"When critics disagree, the artist is in accord with himself"

Oscar Wilde

16.4.13

Django, bitch please...

Eu tenho um problema com o Django Unchained. É um problema que me abala profundamente e que não andasse eu cansada, até era coisa para me tirar o sono. O problema é este: não gostei.

Se fosse qualquer outro filme, não haveria problema nenhum. Eu não gosto de imensos filmes. O que me incomoda é ver-me a ser obrigada a incluir as palavras “Tarantino” e “desilusão” na mesma frase. Incomoda-me pela primeira vez não ter tido vontade de me por em pé na sala de cinema a assobiar e a aplaudir no final do filme. Perturbou-me encontrar posts entusiastas de amigos meus no Facebook, claramente em êxtase após ter visto o filme: o mesmo êxtase que eu senti nos dias a seguir a ver reservoir Dogs, Pulp Fiction, Kill Bill’s, Inglorious Basterds, e até a ver Death Proof, considerado um filme menor. Eu lembro-me bem da sensação, não acontece muitas vezes, e eu andava há meses à espera de voltar a sentir o mesmo. Mas saí da sala de cinema sem vontade de aplaudir nem de ir para o Facebook celebrar a experiência. Saí desiludida e por isso, saí zangada.

Eu não me incomodo com violência nem sexo gratuito, se me incomodasse não ia ver filmes do Tarantino. Eu não me incomodo com palavras e com racismo. Isso são recalcamentos americanos e que a nós não fazem comichão. Eu incomodo-me com historias mal contadas, e é esse o problema que tenho com o Django.

Tarantino é tem sido sempre considerado um realizador arrojado, polémico e rebelde. Só que não é: é um contador de histórias na tradição narrativa mais clássica possível. Mesmo que as suas historias estejam encharcadas em sangue, maminhas e palavrões, por baixo encontramos sempre a história, limpinha e impecável, tudo no sitio certo, progressão de personagem impecável, clareza absoluta de intenções, ritmo irrepreensível. Não vale sequer a pena mencionar pela milésima vez a obsessão de Tarantino pela história do Cinema e os seus mestres. É um tipo que percebe do assunto, isso é ponto assente.

Então alguém me explique de onde saiu este trapo de historia mal enjorcada? Porque se um filme trapalhão como este poderia ser perdoável na mão de qualquer outro realizador, vindo de Tarantino, é atroz.

Problema 1# - Personagem principal?

Django Unchained foi nos vendido com a seguinte premissa: um escravo negro liberta-se e desata a matar tudo o que se mete à frente dele para salvar a sua mulher e vingar-se do diabo branco que o oprimiu. Esta premissa é coerente com Tarantino. Em Death Proof vemos um grupo de mulheres a vingarem o seu sexo e a recusar o papel de vitima da mulher na história do Cinema. Em Kill Bill, a noiva parte pelo mundo com uma lista de nomes e sede de justiça. Em Inglorious basterds, os Judeus viram o bico ao prego e mudam o curso história. Those were great movies...

Era isso que se esperava de Django: um escravo faminto de vingança, uma força da natureza que não se conforma com a ordem social que o coloca no fundo da cadeia alimentar. Mas Django não é nada disso: é um escravo, como outro qualquer, um negro que se habituou a pôr-se no seu lugar e piar fininho quando o tentam expulsar de um bar. É fácil ser um herói quando há alguém a estrategar por nós, a lutar as batalhas por nós, a bater o pé por nós. O herói desta história é o Dr. Shultz. O europeu que vem salvar o dia, que liberta o escravo, que pensa por ele, que o veste e que lhe dá um cavalo, que faz da sua missão ajudá-lo a sobreviver, e que se sacrifica finalmente pela liberdade de outrem. É por Shultz que torcemos, é o seu charme, carisma e perspicácia (qualidades que acompanham Christopher Waltz por onde quer que ele vá) que marcam o filme. O que nos conduz ao:

Problema 2# -  3º Acto para quê?

No final do 2º acto assistimos à grande cena climática do filme. O que é um erro crasso, porque nisto dos filmes e das histórias, é geralmente considerada boa ideia deixar a cena mais entusiasmante para meados do 3º acto. Mas não. Ainda com meia hora de filme pela frente temos uma cena de tiroteio épica e encharcada de sangue em que morre o vilão (o Monsieur Candie do sempre hestriónico mas eficaz DiCaprio) e morre o herói (já tivemos esta conversa, Shultz e não Django).

A partir daqui, eu estava pronta para sair da sala. Podia ter ficado assim e não estava mal de todo. Mas não! Não só o filme continua como ainda temos de levar com uma long shot do escroto do Jamie Foxx logo de seguida. Eu gostava muito de ter vivido a minha vida sem essa imagem.

A grande cena climática do filme acabou por ser um Django a libertar-se usando o tipo de manha que aprendeu com o Shultz (e que funciona com australianos, cuidado, porque um americano nunca cairia numa esparrela daquelas) e a voltar à mansão, onde assassina 4 ou cinco pessoas desarmadas. Quite a hero...

Problema 3# - O escravo-sócio

No meio desta história toda houve uma personagem que era verdadeiramente interessante e relevante se o objetivo fosse discutir a escravatura a fundo: a figura do escravo fiel a seu dono, que concorda com a inferioridade da raça negra, que compactua com tudo aquilo, que se escandaliza com o negro que se atreve a montar um cavalo, e que trai os da sua cor à primeira hipótese. Quão interessante seria refletir acerca disto: como o poder pequenino de ser o chefe dos escravos é suficiente para corromper o coração de um homem, como as causas são muitas vezes sabotadas por quem está dentro delas por este ou aquele interesse. Até podia revelar mais sobre o Monsieur Candy, aparentemente um monstro racista, mas que têm num negro o seu melhor amigo, a sua mão direita.

Mas a oportunidade foi perdida, e a personagem de Samuel Jackson acaba por ser pouco mais do que uma caricatura, mais cómico do que revoltante, e com um final inglório: um velhinho desarmado, assassinado por um igual, sem ter tudo sequer a hipótese de contar a sua historia. Django, Django, mas que herói...

Problema 4# - Hip hop? What the Cluster-fuck?

Não tem desculpa possível. Desculpem, nem consigo pensar nisso sem começar a sentir uma hemorragiazinha cerebral... Tarantino, o homem das bandas sonoras, o tipo que sabia exatamente que musicas ir buscar ao baú, o homem que nos permitiu descobrir pérolas como “Down in Mexico”, “Woo, woo”, “Girl, you’ll be a woman soon”, “Bang Bang”, e são as primeiras que me vêm à cabeça... como é que isto aconteceu? Django, o escravo-gangster?  Eu já não estava a gostar da personagem, eu já não gostava do Jamie Foxx, com Tupac a tocar de fundo, esquece. Ah, o que me leva ao ultimo problema:

Problema 5# - Jamie Foxx Suxx

Isto talvez seja só de mim - mas não acho que seja. O Jamie Foxx é daqueles atores que não me suscitam a mais pequena empatia. Não me lembro de onde li isto, mas recordo-me de algures, alguém ter dito que o Jamie Foxx é tão unlikable que quando ele fez de Ray Charles, o espetador começa a torcer pela cegueira. Eu assino por baixo. Li também que originalmente o Tarantino tinha considerado o Will Smith para fazer de Django. Não sei se o Prince of Bel Air seria a melhor opção, mas pior do que o Jamie Foxx não podia ser.

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