"When critics disagree, the artist is in accord with himself"

Oscar Wilde

1.6.10

Carta aberta a Lady Gaga

Querida Lady,

Gostava que soubesses como a minha opinião acerca de ti mudou desde a primeira vez que tomei conhecimento da tua existência até ao momento presente. Lembro-me da primeira vez que vi o vídeo de Poker Face, que visto de esguelha pareceu-me ser a Christina Aguilera mas depois percebi que era outra pessoa, uma loira não tão bonita mas mais.. digamos... interessante. Confesso que não liguei absolutamente nenhuma. Ignorei-te, Gaga, desculpa-me. Tomei-te por uma bimba qualquer do euro-electro-trash em vez de olhar com atenção. Depois comecei a ler o teu nome em todo lado, normalmente numa referência ao facto de estares sempre de cuecas. Também não dei grande importância, uma vez que muitas das tuas colegas celebridades nem roupa interior costumam ter.

Mas um dia vi o vídeo de Bad Romance e não te pude ignorar mais. Não era uma simplória qualquer que ali estava, num vídeo que parecia um filho bastardo de Alexander McQueen e Mathew Barney, uma criatura que mais do que se abanar em trajes menores jogava com valores estéticos e representativos, brincava com simbologias e linguagens. Uma Kate Bush da dance music. Quem era afinal esta figura avant-gard com Rainer Maria Rilke tatuado no braço a rosnar “rah rah ah ah ah roma olalah gaga roma rah” numa afirmação desavergonhada de si mesma como personagem ficcional e absurda, como afinal, todas as estrelas são (ou deveriam ser).
Digo deveriam porque, como tu sabes Gaga, o estrelato já não é o que foi em tempos. Neste mundo de Facebooks e Twitters que nos permitem saber cada passo e pensamento dos que conhecemos e dos que não conhecemos, as celebridades abrem as portas das suas casas com uma desconcertante naturalidade. Vemos as suas casas no Cribs. Sabemos dos seus amores, divórcios, corações partidos, traições, dietas e doenças por entrevistas cândidas em talk shows, principalmente no derradeiro confessionário das celebridades, o programa da Oprah Winfrey. Vemos sessões fotográficas sem maquilhagem nem photoshop. Sextapes são “acidentalmente” divulgadas. Vemos reality shows onde podemos acompanhar as suas vidas e perceber, finalmente, que as estrelas são seres humanos, como nós.
Mas não são, como tu, Lady Gaga, sabes muito bem. Foi-te dito que o Prince não vai às compras de fato de treino e percebeste. Uma estrela é sempre uma estrela. Não se liga e desliga quando se quer, não se oscila entre a humanidade corpórea e a divindade etérea do estrelato. A Stefanie não sei das quantas não aparece jamais, é uma coincidência, um corpo que tu, Lady Gaga, ocupaste para levar a cabo a tua missão.  Como mais ninguém da tua geração abraçaste o conceito de artista, e mesmo com a parca roupa que usas, não existe qualquer vestígio de sobre-exposição em ti. Não sei quem és, conheço apenas o que escolhes mostrar: uma imagem icónica e memorável, um animal de extremos, uma criatura mítica de obstinação  e vontade inquebráveis.

Muitos te têm comparado a Madonna, mas sabemos bem que não é uma comparação válida. Lady Gaga nunca poderia envelhecer e fraquejar, nunca se poderia acabar como uma realeza musical menopausica de dedos cadavéricos cravados num trono que ninguém quer roubar neste mundo musical democrático. Atrevo-me a dizer, um D. Duarte da Pop. Não. Tu não serás Madonna.

Porque tu és Monroe, Elvis, Bogart e Dean. Sabes que vais ter de morrer jovem e trágica, indecifrável e mítica, eternamente bela e grotescamente sexual. Asfixia auto-erótica talvez? Fica a sugestão.

No fundo o que eu te quero dizer é isto: aprendi a respeitar-te e admirar-te, mas continuo a não conseguir gostar da música que fazes. Tentei ouvir o teu albúm, a sério que tentei, mas é mau demais.

Lady Gaga, um apelo: vêm para o rock. Precisamos de alguém como tu por aqui.

2 comentários:

Annete Canhoto disse...

Se havia coisa que me estava a confundir era o facto de toda a gente que é gente se tentar de alguma forma colar à Lady Gaga, toda a gente diz que se revê na Lady Gaga, que a Lady Gaga é isto, que é akilo. Vemos Jack White, Kylie Minogue, Morrisey, Courtney Love e tantos outros a fazerem comparações e a verdade é que ainda não me tinha dado ao trabalho de ir verificar o porquê.

Obrigado pela explicação

Phee disse...

Ainda bem que te consegui esclarecer então!